Estudos

PÁTRIA MINHA: PORTUGUESES E BRASILEIROS NO GRÃO-PARÁ (1808-1840)

Magda Maria de Oliveira Ricci
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Brasileiros e portugueses no extremo norte
Uma região considerada distante do Rio de Janeiro, a província do Grão-Pará teria demorado demais para "aderir" ao Brasil, fato ocorrido apenas em agosto de 1823 e este foi processo penoso e difícil que teria desembocado na Cabanagem em 1835. Apesar da existência de vínculos com a monarquia e com o menino príncipe Pedro II, é importante lembrar que muitos cabanos e suas lideranças vislumbravam perspectivas políticas e sociais diferentes daquelas vindas dos governantes do Império, centralizado na corte carioca. Já analisei como os cabanos se autodenominavam "patriotas", e como o sê-lo não necessariamente era sinónimo de ser brasileiro.

Por outro lado, surgia no Brasil um sentimento comum de identidades locais entre povos de etnias e culturas diferentes. Indígenas, negros de origem africana e mestiços os mais diversos, criaram uma identidade local, a qual nem sempre estava afinada com aquela em formação no Rio de Janeiro. Contudo, essa identidade era marcada pelo ódio em comum ao tradicional mandonismo branco e português. Estudar esse universo no Pará é o objeto deste texto.

Ainda em agosto de 1823, a elite do Grão-Pará oscilava na leitura sobre seu lugar no cenário mais global. Minha hipótese é que, desde pelo menos a vinda de D. João VI e a tomada de Caiena, o antigo Grão-Pará estabeleceu sérias redes de comércio e de casamentos com ingleses e franceses que faziam parte do comércio inter-atlântico na região norte da América do sul e no caribe. Penso que estas redes 'chocavam-se' com a ideia de uma emancipação e um atrelamento ao Rio de Janeiro. Contudo, acredito que não se tratava apenas de uma rede económica, mas havia interesses familiares, políticos e culturais muito fortes também. Para entender as dimensões desse contexto, fiz uso de um tipo de fonte até agora pouco explorado nos estudos demográficos: os livros de notas e registros cartoriais. Analiso os registros de bens e as procurações firmadas entre os anos de 1807 e 1817. Escolhi esse momento, por se tratar de um período imediatamente anterior aos problemas do vintismo. Neles ficam claros os negócios e interesses dos dois lados do Atlântico. Separei esse momento, anterior aos acontecimentos de 1820 e os de 1835, para demonstrar o enraizamento português no Grão-Pará e redimensionar a crise subsequente.