Estudos

IMIGRANTES PORTUGUESES E O ARTIGO 399

Cláudia Maria Calmon Arruda
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Macaé, 29 de março de 1910. Um pescador português chega à janela de sua casa, situada à praça Visconde do Rio Branco 22, e dirige à rua "pesados insultos" em alta voz, no momento em que passavam por ali quatro policiais. Segundo inquérito realizado pelo delegado de Macaé e enviado ao chefe de polícia, os policiais se dirigiram indignados à casa do pescador para "tomar
satisfações", o que significou, segundo denúncia escrita do visconde de Salgado, vice- cônsul de Portugal, ao presidente do estado do Rio de Janeiro, o espancamento de vários pescadores portugueses ali residentes. A denúncia do vice- cônsul registrava que, ao invés de quatro, foram vinte os policiais que participaram do a to, dos quais oito teriam ficado feridos.

No período 1909-1916, que compreende o conflito envolvendo os pescadores de Macaé, o Rio de Janeiro recebeu portugueses de todos os estratos socioeconômicos. Em 1921 , os imigrantes lusos representariam 15% do total da população do Distrito Federal, ultrapassando com larga vantagem os demais grupos estrangeiros residentes aí e também no estado do Rio de Janeiro.

Desde os primeiros anos do século 19 milhares de portugueses cruzaram o Atlântico rumo ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho e ascensão social, tendo a maioria deles escolhido o Rio de Janeiro como destino. Manolo Florentino• destacou que fatores presentes na sociedade portuguesa, como o "predomínio de pequenas propriedades e heranças com partilhas estreitas",
influenciaram de forma decisiva o movimento migratório e se sobrepunham às próprias iniciativas do governo brasileiro em atrair mão-de-obra estrangeira.

Uma vez estabelecidos no Rio de Janeiro, os p ortugueses tiveram de conviver com o ressentimento de brasileiros que os acusavam de roubarem o emprego dos nacionais e, no caso dos comerciantes, de extorquirem seus clientes cobrando preços elevados - rótulos que eram estendidos ao conj unto de imigrantes lusos. O conflito ocorrido em Macaé ilustra muito bem essa situação, pois independentemente das razões que motivaram as reações de ambos os lados, a ira dos policiais recaiu sobre o grupo de pescadores lusitanos e não apenas sobre o autor das ofensas. 

Para os portugueses que não conseguiram se estabilizar profissionalmente no Brasil, o antilusitanismo era apenas uma das muitas dificuldades que tinham de enfrentar. Diariamente, os portugueses se tornavam alvos fáceis da repressão p olicial, presos sobretudo por motiyo de desordem e vadiagem. O elevado número de portugueses detidos por vadiagem descortina
um universo formado por homens, mulheres e menores que sequer conseguiram uma ocupação profissional regular. Acusadas de vadiagem, essas pessoas viram o sonho de prosperar no Brasil pulverizar-se nos cárceres da Casa de Detenção.

O presente trabalho analisará uma fonte que tem sido pouco utilizada pelos historiadores que estudam a imigração p ortuguesa no Brasil: o Fundo Casa de Detenção, que se encontra sob a guarda do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Concentramos nossa análise nos livros de matrícula de presos referentes ao ano de 1917, por se tratar de um período em que o país
atravessou uma grave crise social que afetou intensamente as camadas mais pobres da população. A crise fez crescer o número de vadios nacionais e estrangeiros que ocupavam ruas e praças, sob o olhar contrariado dos setores conservadores da sociedade brasileira que exigiam uma ação mais enérgica da polícia para recolhê-los à prisão.